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A SAGA DE GEDEÃO E IRMÃOS NO VALE DO CATAPORA

A SAGA DE GEDEÃO E IRMÃOS NO VALE DO CATAPORA

Magno Pires

 

            Homem do campo, habituado às dificuldades e vicissitudes da rusticidade e adusticidade da terra em que nascera, irmão de outros 16, reside no Vale do Catapora, em Uruçuí, sem vínculo com sindicato rural, não recebe Bolsa Família, não têm empréstimo do Pronaf, vive com a mulher e três filhos e só reclama da falta de transporte escolar para os filhos; produz bastante arroz e milho, muita fava, feijão, farinha, banana, macaxeira, óleo de coco, laranja; e planta diversas variedades de frutas: limão doce, mamão, pinha, caju, laranja; e cria: galinha, porco e gado. O modelo rural sustenta as suas necessidades. Sempre sorridente. Não espragueja os governos. E foi insistente, apenas, para reclamar da falta de transporte escolar, que não atende a localidade na unidade estadual da comunidade. O responsável pelo transporte escolar é bruto; não gosta de ouvir as reclamações dos pais dos alunos.

            Os alunos concluem as aulas às 13 horas e só chegam em casa às oito da noite, porque o transporte atrasa. Ninguém reclama do transporte somente Gedeão.

            O Gedeão adotou a tradição dos avós e dos país, permanecendo na fazenda rural onde nasceu. E da área rural retira todo o seu sustento. Diferentemente da imensa maioria que logo associa-se ao Sindicato Rural, recebe o Bolsa Família, faz um empréstimo do Pronaf, filia-se ao PT, passa a falar de tudo e de todos; inclusive do governo  que ajudou a eleger; não produz absolutamente nada. Abandona o meio rural, vai para a cidade, reúne-se em patotas, para continuar falando mal do governo, bebendo cervejas, preferencialmente, não apenas só nos fins de semana, mas todo dia. E com o dinheiro do empréstimo do PRONAF compra moto e televisão. E se for de áreas de assentamento, enquanto tiver madeira para cortar para fazer cerca e carvão, fica por lá, mas sem criar e produzir nada. Depois desse procedimento, vai para a cidade, gastar o restante do empréstimo do PRONAF; ou segue para outra área de assentamento. E fica perambulando de área em área, de assentamento em assentamento, enquanto tiver madeira, para negociar.

            Nenhum país do planeta, talvez nem sequer as regiões da África onde a fome e a miséria ainda devastam a vida de milhões de pessoas, os governos têm uma atitude tão complacente e benevolente na utilização de recursos públicos e de sua fiscalização quanto o Brasil.

            Enquanto isso, o Gedeão, na sua pequena área do Vale do Catapora produz o suficiente para sua alimentação e o excedente é vendido em Uruçuí e Antônio Almeida. E não é um homem revoltado, insatisfeito, sempre alegre e brincalhão, paciente, amável com os irmãos, embora a rusticidade atávica e adusta do meio rural onde mora; onde a seca castiga inexoravelmente no período do seu domínio julho/dezembro, contrapondo-se ao inverno fervoroso de janeiro a maio, com muita chuva, ventos violentos, trovões, trovoadas e relâmpagos, com deslizamentos de áreas e cheias violentas do riacho Catapora, que banha o Vale, com escapamento e desmoronamento de terra, pedras e árvores derrubadas, pela ação violenta da água que desce das serras nas cercanias do vale.

            Gedeão enfrenta todos esses desastres da natureza. E ainda reclama dos caçadores e vizinhos que matam os mocós, em grande quantidade, que moram nos cumes das serras, sempre vistos à distância do sopé, saltitando e/ou acasalando. O Gedeão só tem uma forte encrenca é com os gaviões, raposas, gatos do mato, tejo e cobras papa-ovos e de veado que comem as galinha e os pintos.

            E para preservar os pintinhos e as galinhas da ação mortífera desses matadores selvagens, aprisiona a galinha ao pé da mesa dentro de casa à maneira dos senhores feudais com os escravos. Os gaviões são muitos e aí... Magno, tenho que me alimentar, a mulher e os filhos... Esses indivíduos aperreiam muito. Incomodam demais. A população é grande, comem pintos e galinhas, e eu tenho que alimentar a família. Vivo d’aqui, portanto, tenho que...

            A saga do Gedeãp, irmão de João, Mário e Geovânia, que reproduz, com satisfação, a tradição dos avós e dos pais, embora os péssimos exemplos com os Sindicatos, Bolsa Família e o PRONAF, com desvio de recursos públicos, que são manifestações recentes do governo e da Sociedade brasileira, reflete um passado feudal, com os coronéis proprietários de terra. Mas ter o trabalho dele, sua determinação, sua devoção, produzir tanto numa época em que a maioria procura tirar proveitos das ações do governo, sem nada contribuir e/ou dá um exemplo para os demais, merece aplausos de todos pelo seu ineditismo atual e até histórico.

Contudo são poucos os que têm o caráter, a conduta, a devoção, a compreensão e o sentimento do mundo como esse admirável Gedeão. E seus irmãos João, Mário e Giovânia dessa admirável família Ventura de Uruçuí, no Vale do Catapora.

 

Magno Pires é membro da Academia Piauiense de Letras, ex-Secretário da Administração do Piauí, ex-consultor jurídico da Companhia Antactica Paulista (Hoje AMBEV) 32 anos. Portal www.magnopires.com.br com 91.600.120 acessos em 7 anos e 11 meses, e-mail: [email protected].