Blog
TER E HAVER
Advogado Carlos Moreira, assessor jurídico do Instituto Federal-PI, solicita explicação para os verbos TER e HAVER. Carlos surpreende-se com o mau uso de TER, em vez de HAVER.
Comecemos pelo culto Chico Buarque de Holanda, músico de melhor cepa, insigne escritor, poeta da nobre casta: “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”. Será que Chico derrapou? O correto não seria “há dias que a gente se sente...”?
Carlos, os verbos TER e HAVER apareceram no português em épocas diferentes. O império romano se apossou da antiga Lusitânia, atual Portugal, plantou o latim vulgar e rústico naquela província, um latim rústico de soldados, aventueriros e comerciantes. Fenômeno semelhante ao dos conquistadores portugueses no Brasil.
O verbo latino TENERE (TER), pegou bem na Lusitânia, mas, na longínqua capital do império, Roma, o verbo HABERE já dominava o falar, especialmente dos eruditos. Em vez de TENERE, popularizava-se HABERE (HAVER, em português, AVERE em italiano, AVOIR em francês, HABER em espanhol, HAVE em inglês).
O verbo HAVER (HABERE) só vingou, em Portugal, bem mais tarde, precisamente através da língua culta e traduções de textos latinos da Antiguidade romana. Hoje, em Portugal, o verbo HAVER é mais usado do que TER. No Brasil, onde a Gramática ainda não se libertou dos portugueses, insiste em impor o uso do verbo HAVER, em vez de TER, em casos especiais. Na Itália, o verbo AVERE (HAVER) confunde-se com C’È e CI SONO (SER). Na França, o verbo AVOIR (HAVER) leva sentido de TER e EXISTIR. Também, em inglês, HAVE e, em espanhol, HABER e TENER.
No português culto, o verbo HAVER, no sentido de existir, fica sempre no singular, inclusive o verbo auxiliar: Haverá aulas; Deverá haver aulas. O verbo TER significa possuir, e não existir, portanto cada qual na hora e sentido corretos.
No uso popular, verbo Haver não tem vez. Chico Buarque está correto na escolha. Mas, numa prova de concurso, em que se exigem conhecimentos da língua culta, o cantor levaria bomba, exceto se a gramaticoide de Heloísa fosse adotada como parâmetro.
Observe-se, ainda, que os verbos TER e HAVER, no Brasil, servem de auxiliares, livremente, nas locuções verbais: teremos de partir, haveremos de partir.
Já é tempo de se revisar a Gramática em pontos que não retratam o idioma do Brasil. Não só o verbo HAVER, mas o antipático uso da mesóclise (pronome no meio do verbo) e certas concordâncias, regências e conjugações. Brasileiro não engole os pronomes O, A. Delicia-se com LHE. É preciso distinguir bem os limites do linguajar chulo defendido por Heloísa, a milionária do MEC, e o português bem lavado, apropriado ao mundo oficial. Como a indumentária adequada aos eventos populares e clássicos.
Eliéser Craveiro
Concludente do Ensino Médio, o estudante sonha formar-se em jornalismo. Pede dicas, inclusive que cite bons jornalistas de Teresina.
Caro Eliéser, antene-se com o mundo. Devore revistas de padrão globalizado, observe os acontecimentos, desenvolva senso crítico. Quanto aos jornalistas, há vários, de enorme talento e correção de texto: Mussoline Guedes, Arimateia Azevedo, Zózimo Tavares, Deoclécio Dantas, Tôni Rodrigues, Pires de Saboia, citados porque lhes tenho mais contato. Se dependesse desses craques, esta coluna iria para o beleléu. Dificilmente escorregam.
Texto de JOSÉ MARIA VASCONCELOS