116 anos de silêncio: A permanência de Anísio de Abreu
Há 116 anos, silenciava-se a voz de Anísio Auto de Abreu (1864–1909), um dos nomes mais proeminentes da vida intelectual, política e jornalística do Piauí. Passado mais de um século de sua morte, ocorrida em Teresina em 6 de dezembro de 1909, o silêncio que o envolve não se confunde com esquecimento. Ao contrário: é um silêncio que insiste, que reverbera, que pede retorno. Patrono da Cadeira nº 7 da Academia Piauiense de Letras, Anísio Abreu permanece como figura essencial para compreender o entrelaçamento entre pensamento, imprensa, política e cultura durante a Primeira República.
Sua atuação intelectual começou cedo, ainda na Faculdade de Direito do Recife, onde encontrou no jornalismo não apenas um ofício, mas uma arena para afirmar convicções. Foi um defensor ativo do abolicionismo, posicionando-se em favor da causa emancipatória quando o país ainda resistia ao fim da escravidão. Colaborou com jornais de grande circulação, como Folha do Norte, Diário de Pernambuco, A Província, A Imprensa e O Debate, construindo a reputação de um cronista firme, de um polemista elegante e de um pensador capaz de iluminar tensões jurídicas, políticas e filosóficas de seu tempo.
Na literatura, deixou marcas igualmente significativas. Publicou, em 1882, a coletânea poética Íntimos, parte da obra conjunta Três Liras, escrita com Joaquim Ribeiro Gonçalves e Antônio Rubim. Obras como Micógrafo (1882) e Carta ao Conselheiro João Alfredo (1883) revelam o vigor de uma juventude intelectualmente audaciosa. Em Ciência e Teologia, interveio em defesa de Tobias Barreto na célebre polêmica entre o jurista sergipano e setores do clero de Recife e São Luís, evidenciando sua inserção nas discussões filosóficas, científicas e teológicas que marcavam o pensamento brasileiro do final do século XIX.
Formado em Direito, Anísio de Abreu adentrou a vida pública com o mesmo ímpeto com que escrevia. Foi deputado federal de destaque, integrando as Comissões de Justiça, Finanças e a Comissão dos 21 encarregada da revisão do Projeto do Código Civil – uma das tarefas legislativas mais complexas da época. Eleito senador pelo Piauí em 1906, produziu estudos detalhados sobre temas financeiros, incluindo as Caixas de Conversão, numa demonstração de rigor técnico pouco comum para um político de seu tempo. Em 1908, renunciou ao Senado para assumir o governo do Estado, sucedendo José Lourenço de Morais e Silva. Como 13º governador do Piauí, governou de 1º de julho de 1908 até 5 de dezembro de 1909, sendo substituído por Manuel Raimundo da Paz na véspera de sua morte, aos 45 anos.
Sua vida pública foi breve, intensa e marcada por uma inteligência que se repartia entre a literatura, o direito, a política e o debate filosófico. O livro de Higino Cunha, Anísio Abreu, sua obra, sua vida e sua morte, tenta recompor a figura multifacetada desse intelectual que o Piauí perdeu cedo demais. E, ainda assim, permanece a sensação de que sua trajetória exige novas leituras – de que sua obra, seu pensamento e suas intervenções continuam a oferecer perguntas ao presente.
O silêncio que envolve Anísio de Abreu após 116 anos não se ergue como apagamento, mas como vestígio de grandeza. É a lembrança de que algumas vidas, mesmo interrompidas precocemente, continuam a irradiar sentido. Revisitar sua obra é reconhecer a força de uma pena que defendia ideias, iluminava debates e atravessava fronteiras entre literatura, jornalismo e política. Seu silêncio, hoje, é permanência – e permanência luminosa.
Fonte: https://www.academiapiauiensedeletras.org.br/116-anos-de-silencio-a-permanencia-de-anisio-de-abreu/