Cazé e o pilão da madrugada
Foi o mestre Celso Barros quem primeiro me falou deste livro. Mais de uma vez. Várias. Mas levei um bom tempo para adquiri-lo e mais tempo, ainda, para lê-lo, apesar de ficar impressionado, desde o primeiro momento, com a beleza de seu título: “O Pilão da Madrugada”.
Ele cairia muito bem para o título de um romance, mas se trata, na verdade, de um longo e vigoroso depoimento do jornalista Neiva Moreira dado ao seu conterrâneo, colega e escritor José Louzeiro (hoje um nome precoce e injustamente esquecido).
Neiva Moreira foi uma das lendas vivas dos meus anos iniciais de jornalismo. Ele nasceu em Nova Iorque, no Maranhão, estudou em Floriano e Timon e chegou à minha geração como um combativo e destemido jornalista e deputado do Maranhão, cassado pelo golpe militar de 1964. Foi mandado para fora do Brasil.
No exílio, escreveu e publicou uma revista que repercutiu em toda a América Latina e em várias partes do planeta: “Cadernos do Terceiro Mundo”, fundada em Buenos Aires, em 1974. Depois, sua sede foi transferida para o Rio de Janeiro.
Ao longo de mais de 30 anos, a publicação fez coberturas sobre eventos históricos do século XX, como a descolonização da África e a redemocratização da América Latina, e entrevistou diversas lideranças mundiais. Conheci os jornalistas Carlos Dias e Nilson Sá como seus correspondentes por estas bandas.
A origem do título do livro
Bem, o título “O Pilão da Madrugada” saiu dos relatos de Neiva Moreira a José Louzeiro. É sobre a história de três velhas irmãs que, solidárias, nos sertões maranhenses, atravessavam as noites em vigília, socando no pilão, para orientar os viajantes perdidos daquelas lonjuras. Exerciam essa atividade, religiosamente, pelo prazer de servir.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1989, com grande aceitação. No entanto, só vim a fazer sua leitura muitos anos depois, por insistência dos advogados Reginaldo Furtado e Ozildo Batista de Barros, este também poeta, e do professor e acadêmico Fonseca Neto.
Na voz do próprio Neiva Moreira (1917-2012), a obra conta a história de um jornalista, político e parlamentar – no caso, ele próprio – com intensa atuação desde a sua juventude, em São Luís, passando pelos seus mandatos no Rio e em Brasília, até os anos de exílio.
É um rico depoimento sobre a história recente do Brasil e da América Latina.
Através da obra, conhecemos mais sobre personalidades brasileiras como Assis Chateaubriand, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, João Goulart e José Sarney, entre outras.
Neiva Moreira conta que, quando tinha aí por volta de 15 anos, fez uma viagem de Barão do Grajaú a São João dos Patos, na companhia de Dona Noca, outra lenda maranhense, sobre a qual escreverei mais adiante, nestas memórias.
Nessa viagem, ele ouviu, à noite, no meio da chapada desabitada, o longínquo batido de um pilão varando a madrugada. E soube por um tropeiro qual era o seu significado.
“Meninos, eu vi!”
Pois bem! Quem leu o livro e tem a alma sertaneja ficou com aquelas batidas de pilão na lembrança. E certamente com a curiosidade de conhecer o lugar onde se passou aquela cena. É que ela representa, em síntese, como destaca Neiva Moreira, a generosidade pura, a solidariedade espontânea e desinteressada.
Eu, particularmente, tive o privilégio de satisfazer essa curiosidade. Anos depois da leitura do livro, conheci a região onde batia o pilão da madrugada.
Ou seja, como escreveu outro maranhense, Gonçalves Dias, “meninos, eu vi!”
E fui levado àquelas paragens pelo jornalista Raimundo Cazé, amigo e conterrâneo de Neiva Moreira, nascidos no mesmo Estado e na mesma cidade.
Através do Cazé, conheci também a casa de Dona Noca, tema de outra crônica de saudade para rememorar a convivência com o querido amigo, arrebatado pela Covid-19 em 26 de abril passado, aos 77 anos.
Por Zozimo Tavares