Economia
CELSO FURTADO NOS CONVOCA
Pronunciamento na abertura do II Fórum Nordeste 2030, João Pessoa/PB, 11-10-2013
(*)Luiz Gonzaga Paes Landim
Por acreditar piamente no poder germinador das idéias, a SUDENE promove o II Fórum Nordeste 2030, na esteira de evento realizado em Recife, há cerca de dois meses.
Modernas nações do mundo estão fazendo estudos e prospecções, usando esta data cabalística, 2030. A SUDENE promove, pois, êste Fórum com foco em temas momentosos: um novo pacto federativo, um mercado comum para o Nordeste, a Amazônia Azul, o novo papel das águas subterrâneas nas produção agrícola e outros não menos importantes, de forma a recolocar na ordem do dia as discussões sobre a questão regional
Tal como o I Fórum, êste é igualmente um evento emblemático, porque hoje, mais do que nunca, o país precisa repensar a federação, o desenvolvimento regional e o Nordeste, como o fez, de forma desassombrada e lúcida, Celso Furtado, filho ilustre dessa pequenina e brava gente. Não é sem razão que o Nordeste e a SUDENE devem muito à Paraíba, pela floração de ideias generosas que, a partir de Celso, ganhou o país e o mundo.
Milton Santos, referência em estudos geográficos e geopolíticos da modernidade, foi mais longe. Para êle, no final dos anos 50, o Nordeste não existia.
“Esta região foi produto de um discurso. Foi Celso Furtado que, inteligentemente, decidiu produzir um discurso que criou o Nordeste, [que] impôs o Nordeste ao país e, assim, pôde exigir medidas com as quais as coisas começaram a tomar outro rumo”.
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(*) Superintendente da Sudene.
Decorridos tantos anos, a questão regional, com maior ou menor intensidade, continua a ser vista de maneira preconceituosa ou distorcida em conhecidos círculos políticos, intelectuais e econômicos do país, a depender do grau de vigilância, ou das variações - e ultimamente tem variado para baixo – do nosso nível de união em torno de ideais comuns.
Já assinalava Celso Furtado que a tendência à concentração de renda e riquezas é inerente ao sistema capitalista em que vivemos e ao modelo do processo de industrialização iniciado por Getúlio Vargas e consolidado por Juscelino.
A acelerada globalização em curso, além de multiplicar as forças concentradoras, de outra parte aguça as desigualdades, pondo em risco a coesão social de povos e nações e, como não poderia deixar de ser, de suas próprias instituições.
A constatação de tais fatos nem por isso tem levado os governos à acomodação.
Causa espécie que, enquanto nos países da Europa sempre se conferiu importância primordial aos experimentos de desenvolvimento regional, (lá a renda das regiões menos desenvolvidas equivale a 75% das regiões mais ricas; aqui, no extremo, pode chegar a 1/4), no Brasil, ainda hoje, forças poderosas tentam solapar o que às duras penas o Nordeste conseguiu.
Exemplo recente de preconceito antinordestino é Lei nº 12.859, de 10/09/2013, que extingue, a partir de janeiro de 2024, os incentivos fiscais da SUDENE, fazendo com que, na prática, os pleitos contem com prazos diferenciados de fruição cada vez menores, chegando, no limite, a desestimular a atração de empresas via oferecimento de incentivos.
Senhoras e Senhores, ilustre governador da Paraíba, a integração do Nordeste à economia brasileira foi obra da SUDENE e dessa integração resultou benefícios para o país como um todo.
De uns anos a esta parte – dez, doze anos – por fôrça de políticas sociais postas em prática, a realidade do Nordeste é outra, com a elevação dos níveis de renda da população, a diminuição da pobreza, a melhoria da qualidade de vida de vastos segmentos sociais, o incremento do setor de comércio e serviços e outros indicadores socioecônomicos.
Mas apesar de todos esses avanços, continua a luta por um país menos desigual, mais solidário e justo.
No Nordeste, pois, são evidentes os avanços, mas também o são as armadilhas e as ameaças econômicas. O fluxo de comércio interno e externo da Paraíba em 2011, por exemplo, apresenta déficit de pouco mais de R$ 6,680 milhões. Em 2012 tal déficit foi para R$ 9,637 milhões, apesar do incremento das vendas, principalmente no setor industrial. Nos demais estados, a situação não é muito diferente disso, o que não deixa de ser uma armadilha, pela perpetuação de uma economia dependente. O Nordeste cresce, mas o difícil, como dizia Delfim Neto, não é investir ou mandar dinheiro para o Nordeste; difícil é segurar o dinheiro aqui na região, onde o comércio de vias internas e a concentração financeira no Centro Sul funcionam como bombas de sucção das riquezas aqui produzidas.
Se é verdade que há mais de uma década crescemos acima da média nacional, com regiões economicamente dinâmicas nos cerrados e até no semiárido, nossa renda per capita é de 47% por cento da média nacional, a mesma dos tempos de Celso Furtado. Em outras palavras: melhoramos muito, mas do ponto de vista relativo estamos no mesmo lugar. Se é verdade que crescemos, as outras regiões não pararam de crescer. E como a base econômica do restante do país é maior do que a nossa, a produção bruta resulta infinitamente superior a nossa, mesmo crescendo a taxas ligeiramente superiores às do Brasil.
Apesar dos grandes investimentos federais – Transposição, Transnordestina, portos e outros – são visíveis as ameaças de recrudescimento de novo surto concentrador de renda do país, por força de pesados investimentos nas áreas de gás, petróleo, polos petroquímico, automobilístico e metalmecânico, no Centro Sul do país.
Além do Complexo Acrílico em Minas Gerais, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, só na ampliação e modernização da suas unidades de refino a Petrobrás, a números de 2010, destinou quase R$ 23,0 bilhões.
Os principais projetos em andamento na petroquímica somam R$ 22,8 bilhões, dos quais coube ao Nordeste apenas R$ 1, 6 bilhões, algo como 7% do total, para a Petroquímica de Suape.
No setor automotivo, os investimentos em andamento somam R$ 40,0 bilhões, dos quais apenas R$ 7,0 bilhões no Nordeste (FIAT em Goiana/PE).
Em siderurgia, também se repete altíssima concentração: R$ 82,2 bilhões, dos quais, R$ 16,0 billhões no Nordeste (Pecém/CE e São Luís/MA).
Em resumo, o que está sendo delineado no país é a grande integração do complexo metalmecânico, liderado pela indústria automobilística, além dos novos polos petroquímicos que teem um efeito de encadeamento brutal no processo de recrudecimento das desigualdades regionais.
Segundo o insuspeito depoimento do professor Clélio Campolina, da UFMG, a reconcentração da produção na macrorregião Centro Sul, ao arrepio da questão regional, é um perigo à economia e às disparidades regionais.
Diante de tal quadro, ganha relevância a necessidade do país discutir a questão regional. O país não pode crescer divorciado da nação, porque, se assim o fizer, todas as instituições correrão sérios riscos.
A PNDR precisa ser elevada à condição de Objetivo Nacional Permanente, dentro de uma visão de Estado e não dos limites temporais de um governo.
Urge que os frutos do desenvolvimento sejam sazonados a contento. Para tal, várias providências se impõem. Para atender às novas exigências do mercado, o Nordeste precisa investir nos fatores locacionais – qualificação de mão de obra, ensino e pesquisa, porque o conhecimento é a grande variável estratégica rumo ao desenvolvimento. É preciso conferir competitividade sistêmica à nossa economia, mediante eixos de integração de transportes, energia e comunicação; é preciso a regionalização dos grandes programas nacionais e que o Nordeste tenha assento na mesa das decisões do planejamento nacional. Em suma, tais conquistas passam, necessariamente, pela revitalização da SUDENE e esta só será possível com o respaldo firme dos governadores, parlamentares, empresários, intelectuais, estudantes, trabalhadores, enfim, de toda a sociedade nordestina.
Não podemos permitir que a questão regional, usando a imagem de Carlos Drumond de Andrade, continue em “estado de dicionário”. É preciso que ela deixe o reino encantado da palavras para a trepidante concretude do real.
Ademais, minhas senhoras e meus senhores, se é verdade que não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste, não haverá solução para o Nordeste sem solução para o semiárido.
A Califórnia é a 7.ª economia do mundo e a sua produção agrícola é centrada nos desertos dos vales dos rios São Joaquim e Sacramento, que emprega 750 mil pessoas em 89 mil propriedades. Israel, menor do que Sergipe e com metade do seu território no deserto, garante o abastecimento interno de produtos agrícolas e se dá ao luxo de exportar excedentes. Em suma, senhores, faltam-nos determinação, rigor e coesão social para aplicar técnicas agrícolas consabidas e postas à disposição do mundo moderno.
Por último, relembrando ainda Milton Santos, não são as regiões que comandam outras, mas sim os atores, independentemente em que regiões estejam. Em outras palavras, temos de passar de reativos a atores pró-ativos, e não ficar sempre esperando que o governo dê, que o governo faça, que o governo aconteça. Façamos nós o dever de casa, façamos também a mea culpa que nos cabe, pois se ficarmos apenas procurando bodes expiatórios para explicar nossas mazelas, poderemos encontrá-los, surpreendentemente, atrás de nossa omissão.
Minhas senhoras, meus senhores, parodiando Ulisses Guimarães, o Nordeste aguarda uma nova política regional, assim como o vigia aguarda a aurora ao raiar do dia; o Nordeste espera uma SUDENE revitalizada, assim como as flores do campo aguardam a abelha que as polinizam para o milagre da fecundação.
Minhas senhoras, meus senhores, Celso Furtado nos convoca.