Literatura

Ricardo Cavaliere responde as críticas a “Dorama”

Ricardo Cavaliere responde as críticas a “Dorama”

O filólogo Ricardo Cavaliere, em nome da Comissão de Lexicografia da ABL, respondeu à matéria do jornal O Estado de S.Paulo que criticou a inclusão da palavra “dorama” no VOLP. A notícia da inclusão foi publicada no Instagram da ABL na última semana e gerou milhares de comentários nas redes sociais e matérias nos principais jornais do país. 
Abaixo, a resposta de Cavaliere:

1. Quais são os critérios dessa seleção de novas palavras da ABL?

O projeto Novas Palavras da ABL apresenta no site e no Instagram da instituição palavras e expressões que passaram a ter uso corrente na língua portuguesa em sua vertente brasileira. Trata-se de uma seleção, para conhecimento do público, dos neologismos recentemente incluídos no Dicionário da Língua Portuguesa da ABL, obra online em fase de construção também disponível para consulta no site.

O acréscimo de um item lexical à listagem de novas palavras a serem incluídas no DLP-ABL pressupõe sua presença continuada no léxico do português brasileiro e sua incorporação a textos escritos contemporâneos na norma-padrão da língua. O item pode ser uma nova formação vernácula, um termo tomado de outra língua, um nome próprio que passou a nome comum (como acontece com algumas marcas registradas) ou um vocábulo já existente no idioma que ganhou um novo significado.  

Há de se chamar atenção para o fato de que palavras recém-inventadas, criações individuais ou de circulação adstrita a ambientes sociolinguísticos muito fechados não são suscetíveis de registro nessa listagem. O principal traço que leva uma nova palavra a ser reconhecida como tal é seu uso coletivizado.
Sendo assim, a classificação de um termo como palavra nova incorporada ao léxico da língua-padrão é regida por três critérios objetivos: ocorrência em fontes idôneas (livros, jornais, revistas, artigos acadêmicos e textos institucionais); presença em mais de um gênero textual; número mínimo de ocorrências, de tal sorte que se ateste sua ampla circulação em curso cronológico médio ou longo.
 
2. Na publicação, a referência é a definição de K-Drama do dicionário Oxford. A ABL consultou algum outro tipo de fonte para a definição de dorama?

Sim, a produção lexicográfica da ABL tem caráter descritivo, isto é, baseia-se no uso da palavra em contextos reais. A fonte primordial de pesquisa são textos escritos em língua-padrão, como livros, jornais, revistas, artigos acadêmicos, etc. A consulta a obras de referência brasileiras e estrangeiras (dicionários, vocabulários e enciclopédias) dá-se em momento posterior ao da redação e serve ao propósito de enriquecer o corpo do verbete e oferecer ao público mais fontes de consulta.
Os verbetes completos das palavras publicadas no Instagram, com mais referências e exemplos de uso, são disponibilizados na seção Novas Palavras do site da ABL, na aba Nossa Língua.
 
3. Pelo que entendi, algumas pessoas criticaram o uso dessa palavra como um termo guarda-chuva, já que ela tem origem japonesa e, para eles, não deveria unir produções de toda a Ásia. Como a ABL enxerga esse argumento?
 
No que toca aos empréstimos linguísticos, não é incomum que, uma vez incorporada a outra língua, a palavra ganhe vida própria, rapidamente se distanciando de seu sentido ou de seu emprego original. É o caso do anglicismo shopping, que em português designa um tipo de centro comercial que na língua de origem é denominado mall. Tomou-se emprestada a forma, mas seu significado foi moldado para servir à história e à cultura do português.

É também o caso de dorama. Como a pesquisa em fontes textuais em língua portuguesa mostrou, o termo generalizou-se e passou a denominar tanto as séries japonesas quanto séries de outros países asiáticos.

É um processo natural, do qual nem as palavras vernáculas escapam. Lembremo-nos disso quando comprarmos um azulejo que não é azul ou embarcarmos num meio de transporte diferente do barco.

No entanto, nada impede que o falante, em suas atividades linguísticas do dia a dia, empregue o termo de forma restrita e defenda entre seus pares o uso mais fiel à origem. Há quem só use o termo champanhe em referência ao vinho produzido na província francesa de Champagne, preferindo espumante quando a bebida é oriunda de outras regiões.
Urge compreender: é a maneira como a comunidade linguística (neste caso, a brasileira) faz uso de uma palavra que determinará a redação do verbete no dicionário, não o contrário, como frequentemente se pensa. Ou seja, o registro feito em dicionários e vocabulários é posterior ao uso que os falantes fazem da língua no processo de comunicação.
A língua é um organismo vivo em constante transformação. Os dicionários e vocabulários, por natureza, se atêm à realidade do idioma em ato.

Fonte: https://www.academia.org.br/noticias/ricardo-cavaliere-responde-criticas-dorama